traduz
THIAGO CAVALCANTE JERONIMO
THIAGO CAVALCANTE JERONIMO
Thiago Cavalcante Jeronimo é doutorando e mestre em letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atua como editor discente da Revista de Língua e de Literatura Todas as Letras (Universidade Presbiteriana Mackenzie). É o autor do livro Clarice Lispector apesar de: romance de formação e recursos discursivos (Editora Todas as Musas 2020). CV.
|
NÁDIA BATTELLA GOTLIB E BENJAMIN MOSER: CLARICES / NÁDIA BATTELLA GOTLIB'S AND BENJAMIN MOSER'S CLARICES
|
Clarice Lispector in the 1970s/ Clarice Lispector nos anos 70 (Museu-Arquivo de Literatura Brasileira/Paulo Gurgel Valente)
2020 marks the first centenary of the birth of Clarice Lispector, one of the major voices in Portuguese-language literature. Her work, published in more than 30 countries, in languages including Hebrew, Japanese, and Russian, has been dressed up in new clothes with the recent editions of her novels and stories translated into English. These editions have been produced under the supervision of biographer, translator, and editor Benjamin Moser, the series editor who oversees all of the new Clarice Lispector translations published in the United States by New Directions and in the UK by Penguin Classics [1]. The fact that Moser has been the series editor of all things Lispector in English since the start of the second decade of the twenty-first century (beginning in 2011 with his retranslation of The Hour of the Star) presumes that his stewardship of the work by one of Brazil’s most admired, respected, and beloved writers should show great care.
O ano de dois mil e vinte marca o primeiro centenário de nascimento de Clarice Lispector, uma das principais vozes da literatura em língua portuguesa. Sua obra, publicada em mais de trinta países, em idiomas como o hebraico, o japonês e o russo, ganhou nova roupagem com as recentes edições de seus romances e contos traduzidos para o inglês. Essas edições foram organizadas sob a supervisão do biógrafo, tradutor e editor Benjamin Moser, o editor chefe da série de novas traduções de Clarice Lispector publicadas nos Estados Unidos pela editora New Directions e na Inglaterra pela editora Penguin Classics. O fato de Moser ser o editor de todos os textos de Lispector publicados em inglês a partir da segunda década do século 21 (começando em 2011 com sua retradução de A hora da estrela), presume o grande cuidado que sua gestão deveria evidenciar da obra de uma das escritoras mais admiradas, respeitadas e queridas do Brasil. However, Moser became prominent precisely after he published his problematic biography of Lispector Why This World? with Oxford University Press in 2009 (published in Portuguese as Clarice, with Cosac Naify in 2009). In this book, Moser makes evident his lack of rigor regarding the sources that should validate the main thrust of his study. That is, this biographer ignores the available archival documentation and instead prioritizes “folkloric evidence,” superstitions, and rumors, which ultimately comprise his book [2]. Não obstante, Moser tornou-se conhecido precisamente após a publicação da problemática biografia que escreveu acerca de Lispector – Why this world? A Biography of Clarice Lispector (Oxford University Press 2009) [publicado em português no Brasil pela editora Cosac Naify com o título Clarice,]. Neste livro, o biógrafo dá provas da falta de seriedade no tocante às fontes que autentiquem o objeto central de sua pesquisa. Isto é, Moser ignora os registros documentais, priorizando “evidências folclóricas”, superstições e boatos, que passam a corporificar o seu livro. When speaking about his biography, Moser does not take into account the ambiguities that constitute Lispector’s facets as an Ukranian woman who was a naturalized Brazilian citizen. For Moser, what matters is not an account that is trustworthy, but rather a fantastical one, constructed with twisty convictions — and this is how he executes his biographical project. According to Moser, to write a biography “is just a way of storytelling, and it is my way, my story, and not the person herself [3].” Ao falar a respeito da biografia que montou acerca de Clarice Lispector, o autor não leva em conta a ambiguidade constitutiva dos perfis da autora ucraniana, naturalizada brasileira. Para Moser, o que importa não é o relato fidedigno, mas o fantasioso, erigido com tortuosas convicções – e assim o faz em seu projeto biográfico. Segundo o autor, escrever uma biografia “é apenas uma maneira de contar, é a minha forma, minha história, e não a própria pessoa”. Note how the possessive pronoun “my” — which Moser uses — implies a dubious meaning. Moser’s portrait of Lispector is composed with a narrative and scholarly frame that belongs to another biography: Clarice, uma vida que se conta, written by the renowned Brazilian scholar Nádia Battella Gotlib and first published by Ática in 1995. Structured along the lines provided by Gotlib’s Lispector biography as a kind of blueprint, Moser’s biographical text is so technically similar that it borders, at many turns, on plagiarism. I will give two textual examples, which are discussed in the essay by Benjamin Abdala Junior: “Biografia de Clarice, por Benjamin Moser: coincidências e equívocos” (2010). Note-se que o pronome possessivo minha, por ele empregado, exprime um sentido dúbio. Seu retrato de Clarice ergue-se com a ossatura que pertence a outra biografia: Clarice, uma vida que se conta (1995), de Nádia Battella Gotlib, renomada pesquisadora brasileira. Estruturada com propostas de Gotlib, o texto biográfico de Moser se projeta tecnicamente semelhante, beirando, em muitos momentos, ao plágio. Exemplifico duas passagens, referindo-me ao texto “Biografia de Clarice, por Benjamim Moser: coincidências e equívocos” (2010), cuja autoria é do professor Benjamin Abdala Junior. 1. The Narrative Arc: The chapter that opens Gotlib’s Clarice, uma vida que se conta proposes a study that will be a multifaceted portrait of Lispector, without speculations; in other words, Gotlib gathers accounts from figures who knew Clarice and — without forcing their testimonies into a predetermined axiological vein — recognizes the mystery that loomed over the figure of Lispector, the enigma yoked to her personality. Moser reproduces this same proposition in the first chapter of Why This World? The critic Benjamin Abdala Junior assesses the situation in the following way: Right away in the first chapter, Moser traces Clarice’s voyage through Egypt and perceptions of the writer provided by different personalities, in order to conclude that she remains an enigma. This is what Nádia Gotlib’s book’s first chapter proposes as Gotlib points to several perceptions of Clarice — “that of her maid, her neighbor, her relatives, friends journalists, critics, writers” in order to conclude that... Clarice remains an enigma [4]. 1. Linha narrativa: O capítulo que abre a biografia, Clarice, uma vida que se conta, de Nádia Battella Gotlib, propõe a leitura do retrato polifacetado de Lispector, sem apriorismos, isto é, a pesquisadora recolhe depoimentos de personalidades que conheceram Clarice, e sem os prender a determinado veio axiológico, reconhece o mistério que paira sobre a figura de Lispector, o enigma atrelado a sua personalidade. Moser reimprime essa mesma proposta no primeiro capítulo de Why this world? O crítico Benjamin Abdala Junior assim considera essa questão: Logo no primeiro capítulo, Moser recorre à passagem de Clarice pelo Egito e as visões da escritora por diferentes personalidades, para concluir que ela permanece como enigma. É essa a proposta do primeiro capítulo do livro de Nádia Gotlib, que aponta para várias visões de Clarice – “pela empregada, pela vizinha, pelos parentes, amigos, jornalistas, críticos, escritores”, para concluir que... Clarice permanece como enigma. 2. The Borrowing/Copying of Titles: Moser’s Clarice benefits from the narrative arc that exists in Gotlib’s biography, as well as from its chapters and subchapters: short sections headed by suggestive titles. In Clarice, uma vida que se conta, one finds texts titled as follows: “Hurricane Clarice” (“O furacão Clarice”); “The Witch’s Recipes” (“As receitas da bruxa”); “Possible Dialogues” (“Os diálogos possíveis”). Moser copies them to name his chapters in Why This World?, with one small adjustment: “Hurricane Clarice”; “The Witch”; “Possible Dialogues”. “Could it be a mere coincidence?” asks Abdala Junior ironically. In addition to these two aspects, in terms of the book’s narrative arc and the titles, there is, finally, a third topic involving Moser’s conflictive production. 2. Transposição de títulos: A Clarice de Benjamin Moser se vale do fio narrativo existente na biografia de Nádia Gotlib, e também nos seus capítulos/subcapítulos: curtos e com títulos sugestivos. No livro Clarice, uma vida que se conta, encontram-se textos intitulados: “O furacão Clarice”; “As receitas da bruxa”; “Os diálogos possíveis”. Moser os copia para nomear os capítulos de Why this world? [Clarice,] com a seguinte transposição: “Furacão Clarice”; “A bruxa”; Diálogos possíveis”. “Seria mera coincidência?” Ironiza Abdala Junior. Além desses dois procedimentos, de ordem da narrativa e de titulação, marca-se, por fim, um terceiro tópico associado à conflitante produção de Benjamim Moser: 3. The Imaginary Rape Narrative. Moser’s text seized the attention of the publishing market and Brazilian readers due to its sensationalist approach, specifically the inclusion of a supposedly unknown detail that he chose to feature in his biographical montage rooted in fiction: Mania Lispector, Clarice’s mother, was raped by Russian Bolsheviks and contracted syphilis during that violent act, according to the biographer. This problematic affirmation gains legitimacy in Moser’s biography Why This World? — “[H]er mother was raped by a gang of Russian soldiers” [5] — and is reiterated in Moser’s preface to the first ever edition of Lispector’s Complete Stories (translated by Katrina Dodson, published in English in 2015 by New Directions, and then published in the original Portuguese by Rocco in 2016): “[H]er mother was raped.” [6] 3. A narrativa imaginária do estupro. Motivo de projeção sensacionalista, o texto de Benjamin Moser levantou a atenção do mercado editorial e dos leitores brasileiros por um suposto ineditismo que o biógrafo quis acentuar em sua montagem biográfica ficcional: Mania Lispector, mãe de Clarice, segundo narra o autor, fora estuprada por bolcheviques russos, tendo contraído sífilis nesse ato violento. Essa problemática afirmação ganha corpo na biografia Why this world?[Clarice,], “sua mãe foi violentada”, e é reiterada pelo autor no prefácio que ele escreveu para a edição Complete Stories, “Sua mãe foi violentada”. Once Moser does not provide evidence that could prove the information he has revealed, Gotlib questions the criteria used by Moser to invent this erroneous conjecture, which surely is meant to cause a commotion. When pressed by the Brazilian scholar, Moser contends that he based his revelation of Lispector’s mother’s rape on “folkloric evidence” [7] – an unsubstantiated claim that suggests a superstitious fabrication at odds with official archival documents [8]. Nádia Battella Goltib questiona o critério estabelecido por Moser para criar essa errônea conjectura, uma vez que o autor não apresenta matéria documental que comprove a informação que, seguramente, visa causar comoção. Ao ser indagado pela pesquisadora brasileira, Moser afirma ter se baseado “numa evidência folclórica”, o que atesta sua criação supersticiosa e incompatível com os documentos oficiais. If, on the one hand, the structure of the book Why This World? appropriates compositional aspects of the Lispector biography written by Gotlib, then, on the other, the legitimation of frivolous and untrustworthy information as the casing that encloses Moser’s text reflects the spirit of the age, a time when Fake News is so easily propagated. Se por um lado, a estrutura do livro Why this world? [Clarice,] se apropria de aspectos composicionais da biografia de Lispector escrita por Nádia Battella Gotlib, por outro lado, a valorização de informações frívolas e não confiáveis é a pele que envolve o texto de Moser numa época em que Fake News são facilmente propagadas. NOTES / NOTAS [1] TEICHER, Craig Morgan. “New Directions Resurrects Clarice Lispector with New Translations.” Publishers Weekly. September 27, 2011. Link. [2] JERONIMO, Thiago Cavalcante. "A Clarice de Benjamin Moser: uma evidência folclórica", FRONTEIRAZ, Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, nº 23 - dezembro de 2019. Link. [3] AGUILAR, Andrea. "Benjamin Moser: O culto brasileiro a Clarice Lispector embaça sua vida. Escritor americano defende o gênero da biografia literária como uma simples interpretação”, EL PAÍS, São Paulo, 18 out. 2017. Link. [4] ABDALA JUNIOR, Benjamin. "Biografia de Clarice, por Benjamin Moser: coincidências e equívocos", Estudos avançados, v. 24, n. 70, São Paulo: USP, 2010. Link. [5] MOSER, Benjamin. Why This World? A Biography of Clarice Lispector. Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 27. [6] MOSER, Benjamin. “Glamour and Grammar” in The Complete Stories by Clarice Lispector. New York: New Directions, 2015, p. 17. [7] The expression “folkloric evidence” (“evidência folclórica”) was used by Benjamin Moser at the FLIPORTO 2010 – Festa Literária Internacional de Pernambuco. See the 31-minute mark. Link. [8] In Clarice Fotobiografia, Nádia Battella Gotlib offers a companion volume, comprised of images, to her biography Clarice, uma vida que se conta. Gotlib provides the death certificate belonging to Mania Lispector, Clarice Lispector’s mother. The cause of Mania Lispector’s death is listed as: “respiratory failure as a consequence of pulmonary tuberculosis” (“congestão edematose (sic) no curso de tuberculose”) (GOTLIB, 2009, p. 77). |