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VOLUME 1


GUILHERME GONTIJO FLORES
Guilherme Gontijo Flores (Brasília, 1984) é poeta, tradutor e professor de Língua e Literatura Latina na UFPR. É autor da tetralogia de poemas Todos os nomes que talvez tivéssemos, constituída de brasa enganosa (2013), Tróiades (2014-2015), l’azur Blasé (2016) e Naharia (2017), além dos poemas de carvão : : capim (2017, Portugal, 2018, Brasil) e do romance História de Joia (2019). Lançou traduções de A anatomia da melancolia, de Robert Burton (2011-2013, 4 vols.), Elegias de Sexto Propércio (2014) e Safo: fragmentos completos (2018), dentre outros. Publicou os ensaios A mulher ventriloquada: um limite da linguagem em Arquíloco (2018) e Algo infiel: corpo performance tradução, em parceria com Rodrigo Gonçalves e fotos de Rafael Dabul. É coeditor do blog-revista escamandro e membro do grupo Pecora Loca, dedicado a performance e(m) tradução. Os poemas abaixo fazem parte do livro inédito Potlatch.
CRUZO ESTAS PORTAS
 
Cruzo estas portas estranho-me o asco
de sempre dou corda à caixa de música
que está quebrada a bailarina brusca
nas rotas insólitas de outro fiasco
risca seu ruído qualquer de plástico
alheio não nada naquela acústica
parece errado como sai o pus da
veia cística ou marca de tabasco
presa na camisa listrada estranho
que isso tudo tão certo seja excito
-me como moleque no canto fanho
como um tiro errado ganso balístico
põe o agasalho inútil garro ranho
preso nas botas (as portas) persisto





​
Ausculta-se um coração
 
Ausculta-se um coração arrítmico,
feito bomba que hesita, feito a baça
compartimentação de uma lembrança
de um museu que queimamos, só por risco.
Extraí-lo do meio desta fossa,
dentre carne e costela distraí-lo
é o mote que resta, ódio e asco,
feito porco que saia da lambança?
Assim seja: ruína em meio à praça,
vida estanque, o porão do mesmo paço,
onde os corpos se empilham, onde posso
entrar e sair sem peso, onde penso
encontrar o meu crânio, donde expulso
toda a lembrança, a lambança, a leprosa
chaga do dia que ao chegar mais pesa.​
CRIANÇAS DE KOZARA
 
Como nós recolhidos e enviados
no entremeio da névoa da manhã
 
todos também teriam de exaustão
e medo e tifo e breu uns poucos passos
 
por escolher comer e não morrer
por escolher comer essas cartelas
 
de papelão trazidas como um erro
junto ao pescoço desfazendo nelas
 
o nome que nos deram e na fome
extinguindo a palavra em contradom?
p/ nina rizzi



​Nossos os tratos deste amor
recíproca mordida e travos
sobre texturas de umbu
 
o dente adentra a casca
estoura crosta encosta
na polpa firme e ácida
 
que em dor consome doce
quanto mais a morde
numa contramorsura
 
sobre esmalte rasgo
em mucosa e saliva
estes os nossos tratos
 
na mor parte vagos
e assim procuro tudo
que me cabe na pele
 
toco a paixão do corrosivo
tocado me descasco
corroo teu repasto
 
entregue arisco arrisco
viver a seca inteira
escavando os teus pés
 
mas sem tocar as águas
leves da tua cacimba
debaixo desta terra
 
estes os tratos feitos
trocados nas mandíbulas
jamais chegar nessa raiz
 
jamais cortar na base o lenho
áspero e extrair
o fim de cada sede
 
onde morrer-te por beber-te
p/ nanda
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