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VOLUME 2


FRANCESCA CRICELLI
Francesca Cricelli é poeta, tradutora e pesquisadora. Cresceu entre o Brasil, a Itália e a Malásia. Publicou os livros de poemas Repátria no Brasil e na Itália (Selo Demônio Negro, 2015 e Carta Canta, 2017) e 16 poemas + 1 nos EUA (edição de autora, 2017), na Islândia (Sagarana forlag, 2017) e na China (Museu Minsheng, 2018), além da plaquette As curvas negras da terra / Las curvas negras de la tierra (edição bilíngue, Nosotros Editorial, 2019). Suas crônicas de viagem e uma breve prosa de autoficção foram reunidas no livro Errância, inicialmente editado como livro cartonero pela Dulcinéia Catadora (2018) e agora pela Edições Macondo e Sagarana forlag (2019). Participou de inúmeros festivais internacionais, entre eles a edição de 2019 de Printemps Littéraire Brésilien em Colônia e Zurique. Traduziu para editoras brasileiras escritoras italianas como Elena Ferrante (Biblioteca Azul, 2016) e Igiaba Scego (Nós, 2018) e Fernando Pessoa para o italiano (Interno Poesia, 2020). É doutora em Letras Estrangeiras e Tradução pela Universidade de São Paulo, em sua pesquisa descobriu o acervo inédito de cartas de Giuseppe Ungaretti para Bruna Bianco, transcreveu e traduziu esse material. Atualmente vive em Reykjavík, a capital mais ao norte do mundo, na Islândia.
POEMAS DE ERRÂNCIA
Seleção e tradução de obras de poetas que cruzaram minhas errâncias em diversas línguas, histórias e latitudes. Um poema de cada autor, organizados em ordem cronológica por encontro.

                                                                                                                                                              Reykjavík, janeiro de 2020
 
Franca Mancinelli [Itália]
Francesca Serragnoli [Itália]
Soffía Bjarnadóttir [Islândia]
Eleonora Rimolo [Itália]
Ewa Marcinek [Polônia/ Islândia]
Denise León [Argentina]
Matthew Landrum [EUA]
Fríða Ísberg [Islândia]
Jónas Reynir Gunnarsson [Islândia]
Melkorka Ólafsdóttir [Islândia]
Ragheiður Harpa Leifsdóttir [Islândia]



FRANCA MANCINELLI (Fano, 1981) publicou dois livros de poesia, Mala kruna (Manni, 2007) e Pasta madre (Nino Aragno, 2013). Sua obra aparece em importantes antologias como Nuovi poeti italiani 6, organizado por Giovanna Rosadini (Einaudi, 2012), e XIII Quaderno italiano di poesia contemporanea, com curadoria de Franco Buffoni e comentário de Antonella Anedda (Marcos y Marcos, 2017). Conheci Franca em Rimini, em 2011, no festival Parco Poesia. Ela me convidou para passar uns dias em Fano com ela e assim começou nossa troca.



Aqui o que cai endurece no espaço designado pelo acaso e pelo destino. Ao cair abandona-se, perde qualquer pertencimento. Começa a crescer raízes, finas como cabelos. Mas hoje o tempo entrou, ressoando nos vidros. As paredes fizeram-se mais tênues, como uma membrana. Cada cômodo entrava no outro, sobreposto num jogo de dimensões perfeitas. Só sobrava um, mais profundo do que os outros. Nele entrava também o jardim, com as árvores, a rua com carros lentos. Provocava-te isso, pacientemente, a chuva. Dissolvendo uma sílaba até o princípio da articulação de um som. Carregando-te logo após o silêncio. Naquela duração podíamos voltar, encontrar lugar às coisas.

Qui ciò che cade indurisce nello spazio assegnato dal caso o dal destino. Cadendo si abbandona, perde ogni appartenenza. Inizia a crescere radici, sottili come capelli. Ma oggi il tempo è entrato, risuonando sui vetri. Le pareti si sono fatte sottili, come di membrana. Ogni stanza entrava nell’altra, sovrapposta in un gioco di dimensioni perfette. Ne restava una sola, profonda di tutte le altre. Vi entrava anche il giardino, con gli alberi, la strada di auto lente. Ti stava facendo questo, pazientemente, la pioggia. Sciogliendo una sillaba fino all’inizio dell’articolazione di un suono. Portandoti appena dopo il silenzio. In quella durata potevano fare ritorno, trovare luogo le cose.

[Libretto di transito, Amos Edizioni, 2018]

 

FRANCESCA SERRAGNOLI (Bologna, 1972) se formou em Letras Modernas e vive na cidade onde nasceu. Trabalhou no Centro di poesia contemporanea dell’Università di Bologna. Seus poemas constam nas antologias I cercatori d’oro (2000); Nuovissima poesia italiana (Mondadori, 2004); Mosse per la guerra dei talenti (Fara, 2007); La stella polare (Città Nuova, 2008); e Jardines secretos – Joven poesia italiana (Sial, Madrid, 2008). Publicou os livros Il fianco dove appoggiare un figlio (Raffaelli, 2012), Il rubino del martedì (Raffaelli, 2010) e Aprile al di lá (Lieto Colle, 2018). Colabora com a revista ClanDestino. Conheci Francesca em 2011, em Bologna, no festival AmoBologna. Conversamos sobre a poesia de Adélia Prado e, desde então, quando volto à cidade vermelha, tento encontrar a poeta.
 

 
Seria necessário todo o tempo
para costurar um botão.

Deter-se
naquele ponto da camisa
pra cima e pra baixo com a agulha
e o fio comprido que vai para o alto e desce.
Esse ir para além e voltar, basta?
 
A viagem de uma mãe
a pontinha luminosa da sua mão
que do céu desce
e sobe um fio entre os dedos
parece não atravessar nada.
 
Eu segurei tua mão
no banco da igreja dos Servos
ouvia que choravas
eu não sabia como remendar
a flor estendida da tua respiração
com todas aquelas raízes ao vento.
 
Ci vorrebbe proprio tutto
il tempo di cucire un bottone.
Quel fermarsi
in quel punto della camicia
su e giù con l’ago
e il filo lungo che va in alto e scende.
Quel andare al di là e tornare, basterà?
 
Il viaggio di una madre
il puntino luminoso della sua mano
che dal cielo scende
e sale un filo che fra le dita
sembra attraversare niente.
 
Io ti avevo stretto la mano
nella panca della chiesa dei Servi
sentivo che piangevi
non sapevo come ricucire
il fiore sdraiato del tuo respiro
con tutte quelle radici al vento.
 
[Il rubino del martedì, Raffaelli, 2010]



 
SOFFÍA BJÁRNADÓTTIR (Reykjavík, 1975) é poeta e romancista. Seu primeiro romance Segulskekkja (Forlagið, 2014) foi traduzido para o francês como J’ai toujours ton coeur avec moi (Éditions Zulma, 2016). Soffía é formada em Literatura Comparada, Escrita Criativa e Teatro. Publicou as coletâneas de poemas Beinhvít skurn (Partus, 2015) e Ég er hér (Mál og menning, 2017). Seu último romance, Hunangsveiði (Angústúra, 2019) narra uma história que se passa entre a Islândia e Portugal. Conheci a poesia de Soffía através das traduções de Luciano Dutra. Soffía foi a primeira escritora que encontrei nas ruas de Reykjavík, por acaso, no dia em que me mudei para cá.
 


Estão tocando bandolim no banheiro
e eu sento-me na cadeira de balanço e finjo contar
dinheiro enquanto a máquina de lavar termina o ciclo

com as meias
dos soldados bípedes que passam
após a última guerra
meus seios começam a cair

como se fosse a coisa mais natural
e corto os meus cílios
as unhas do pé
e um dos mamilos.

Com a pistola no esterno
peço silêncio à mesa de jantar.

Fique em casa

 
Það er verið að spila á mandólín á baðherberginu
og ég sest í ruggustólinn og þykist telja
peninga á meðan þvottavélin klárar
sokka
tvífættra hermanna sem litu við

eftir síðasta stríð
brjóstin á mér eru farin að síga
eins og ekkert sé eðlilegra
og ég klippi af mér augnhárin
táneglurnar
og aðra geirvörtuna.
 
Með byssuna við bringubein
bið ég um þögn við matarborðið.
 
Vertu heima
 
[Beinhvít skurn, Partus, 2015]



 
ELEONORA RIMOLO (Salerno, 1991), formada em Letras Clássicas e Filologia Moderna, é doutora em Estudos Literários pela Università di Salerno. Publicou o romance epistolar Amare le parole (Lite Editions, 2013) e as coletâneas de poesia Dell’assenza e della presenza (Matisklo, 2013), La resa dei giorni (Alter Ego, 2015 – prêmio Giovani Europa in Versi) e Temeraria gioia (Ladolfi, 2017 – prêmio Pascoli “L’ora di Barga”, prêmio Civetta di Minerva) e La terra originale (LietoColle, 2018). Já dirigiu a edição online da revista Atelier. Não conheço Eleonora pessoalmente, mas li sua poesia em resenhas italianas e então a procurei e começamos uma correspondência animada por paixões mútuas: poesia italiana e poesia lusófona.
 
 

Lá onde a memória distante
é a única geografia que resta
cada um privado de carícias
vagabundeia por ruas breves.
Tu amas em segurança, entras no
mesmo quarto,
eu aqui entre cartas insanas
esqueço os endereços
não te parece a mesma lua,
tu te viras para o outro lado,

eu do lado oposto sonho-me
fugitiva entre os risos histéricos
de quem dança a noite toda
até se procurar, até se proteger.

Após um só abraço o cupim insiste.

 
Lì dove la memoria lontana
è la sola geografia che resta
ciascuno povero di carezze
vagabonda per le brevi strade.
Tu ami al sicuro, entri in quella
stessa camera,
io qui tra pazze lettere
dimentico gli indirizzi
non ti sembra la stessa luna,
tu ti giri dall'altra parte,
io da quella opposta mi sogno
fuggitiva tra le risa isteriche
di chi balla tutta la notte
fino a cercarsi, proteggersi.
 
Dopo un solo abbraccio il tarlo insiste.
 
[La terra originale, LietoColle, 2018]
 
 
 

 
EWA MARCINEK é uma poeta, escritora e produtora cultural nascida na Polônia. Reside em Reykjavík desde 2013. Fundou com um grupo de escritoras estrangeiras na Islândia a revista Ós Pressan e é também produtora do grupo internacional de teatro Reykjavík Ensemble, dirigido por Pálína Jónsdóttir. Nos conhecemos em Reykjavík em julho de 2019, pois estávamos ambas na programação do Bordel Poético da cidade. Ewa organizou minha primeira leitura pública na Islândia. Ela escreve em polonês e inglês.
 


ESCORRE
 
Um córrego escorre
A urina escorre
O tempo escorre

A saliva escorre

Dói-me a lombar
Machuquei-me abaixando-me ou carregando cadeiras?
Aqui carrego cadeiras
escadas
palco
àcima e abaixo
O piso do antigo teatro é de madeira
blocos longitudinais de madeira
um parquet estendido em pontos
de espinha de peixe
chiclete preto pisoteado
consigo carregar três cadeiras por vez

Tu virías comigo para Wrocław

no começo do verão para andar de bici
(gostaria de te mostrar)
para engolir a poeira e rir
de boca aberta até a exaustão?

Tu
mostras os dentes quando fazes amor comigo

Vês a fissura na frente?
lasquei meu dente
queria demais

Queria rodopiar com minhas mãos atadas atrás
das costas
emaranhadas
correndo com minha boca aberta
caindo no chão da escola
cinza
de mármore

Uma infusão escoa de um saquinho de chá ao fundo
do copo
A dor escoa
A esperança escoa
A escuridão escoa
A água está quente demais


LEAKING
 
A stream is leaking
Urine is leaking
Time is leaking
Saliva is leaking
 
I have low back pain
Did I hurt myself while bending down or carrying chairs?
I do carry chairs here
Up and down
the stairs
the stage
The floor in the old theater is wooden
longitudinal wood blocks
a parquet laid in herringbone
dots
trampled-black chewing gum
I can carry three chairs at once
 
Would you come with me to Wrocław
early summer to bike
(I would like to show you)
to swallow the dust and the exhaust
laughing with our mouths open?
 
You
bare your teeth when you make love to me
 
Can you see the crack in the front?
I chipped my tooth
I wanted too much
 
I wanted to spin around with my hands tied behind my back
tangled
laughing with my mouth open
falling down on the school floor
gray
marble
 
A brew is seeping from a tea bag to the bottom of the glass
Pain is seeping
Hope is seeping
Darkness is seeping
The water is too hot
 
[poema inédito]




DENISE LEÓN (Tucumán, 1974) é neta de imigrantes sefarditas. Publicou Poemas de Estambul (Alción, 2008), El trayecto de la herida (Alción, 2011), El saco de Douglas (Paradiso, 2011), Templo de pescadores (Alción, 2013), Sala de espera (elCRUCEcartonero, 2013) e Poemas de Middlebury (Huesos de Jibia, 2014). Venceu o Premio Nacional de las Artes, o Premio Academia Argentina de Letras e a bolsa Fulbright/CONICET em 2011. É doutora em Letras e docente da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Nacional de Tucumán (Argentina). Conheci Denise em Reykjavík durante um seminário sobre poesia contemporânea argentina escrita por mulheres. Fiquei impactada com seu livro El saco de Douglas, que recria, em alguns trechos, uma forma do ladino (imaginado e recriado pela autora) falado por sua família.
 
 
 
a imensidão de Deus está nos detalhes: a vigília cheira a sopa na garganta. Ontem à noite sonhei com um rio espesso sob os lençóis, sob a camisa, sob a pele. Um rio espesso e inútil que se agitava na memória como uma porta sem portas. Quis dizer à minha mãe que havia sonhado que emitia uma passagem para a cidade que atravessa este rio mas não é fácil falar de sonhos à minha mãe.

la inmensidad de Dios está en los detalles: la vigilia huele a sopa en la garganta. Anoche soñé con un río espeso debajo de las sábanas, debajo de la camisa, debajo de la piel. Un río espeso e inútil que se agitaba en la memo- ria como una inmensa puerta sin puertas. Quise decirle a mi madre que había soñado que sacaba un pasaje a la ciudad que atraviesa ese río pero no es fácil hablarle de sueños a mi madre.
​

[El saco de Douglas, Paradiso Ediciones, 2010]

 


MATTHEW LANDRUM é tradutor e editor da Structo Magazine. Seus poemas e traduções foram publicados em Image Journal, Michigan Quarterly Review e The Baltimore Review. Mora e trabalha em Detroit (EUA). Nos conhecemos em Tórshavn, capital das Ilhas Feroés, em novembro de 2019, enquanto ele e Luciano Dutra faziam uma residência juntamente com outros tradutores do feroês, eu traduzia num café da cidadezinha.
 


À minha segunda filha
 
Um dia — se um dia tu existir — quando fores mais velha,
já crescida em tua provável estatura, direi
da tua breve irmã, como tu entraste numa vida esvaziada
por outra, rosto cortado tiritando contra o vento repentino,

membros batendo e chutando após sua longa conservação.
Te direi coisas que tu já intuirás, que eu te amo
com um amor pesado, daqueles que carrega a expectativa
de esperanças do passado. Já terei te levado colher maçãs e pêssegos,
mostrado como os leitos secos dos córregos fazem-se trilhas no verão.
Teremos carregado pás à praia a construir castelos desmedidos a essa altura
e percorrido mitologias elaboradas para a hora de dormir ao longo de anos
de histórias contadas. Tudo isso que teremos feito foi planejado
para outra que não ficou por aqui tempo suficiente para fazê-las.
Um dia tua tia Laurel me pediu para contar a ela a melhor coisa
que me ocorreu no pior dia da minha vida e eu lhe disse
como toquei a palma aberta da tua irmã — pensei

que ela já tivesse partido — e ela agarrou tão forte meu mindinho
eu não conseguia acreditar. Depois todo o resto aconteceu.
Te direi tudo isso se tiver a sorte de ter um futuro contigo
dentro dele. E tu saberás que não amamos nada tão inteiramente
por si só, que alguma da minha afeição por ti é por ela — não há
sentido em fingir o contrário. Quando vejo tuas mãos nos trastes do violão
(como as imagino), lembrarei da tua irmã que também tinha dedos longos.
 
To My Second Daughter
 
One day—if you do exist one day—when you are older,
already grown into your probable tallness, I will tell you
about your brief sister, how you stepped into a life vacated
by another, pruned face scrunching at the sudden air,
limbs punching and kicking after their long conservancy.
I’ll tell you things you will already intuit, that I love you
with a heavy love, one that carries the expectancy
of past hopes. I’ll have taken you apple and peach picking,
shown you how dry creek beds become trails in summer.
We’ll have lugged spades to the beach to build outsized castles
by then and spun elaborate bedtime mythologies over years
of stories. All those things we will have done were planned
for another who didn’t stay near long enough to do them.
Once your aunt Laurel asked me to tell her the best thing
that happened on the worst day of my life and I told her
about how I touched your sister’s open palm—I thought
she had already gone—and she gripped my pinky so tightly
I couldn’t believe. Then everything else happened.
I’ll tell you all that if I’m lucky enough to have a future with you
in it. And you will know that we don’t love anything wholly
for itself, that some of my affection for you is for her—no sense
pretending otherwise. When I see your hands tensing guitar frets
(as I imagine them), I’ll remember your sister who had long fingers too.
 
 
[Berlin Poems, A midsummer’s night press, 2019]

 


FRÍDA ÍSBERG (1992) é uma autora e poeta islandesa residente em Reykjavík. Já publicou três livros: o volume de contos Kláði (Partus, 2018), que ficou entre os finalistas do The Icelandic Women’s Literature Prize em 2019, e os livros de poemas Leðurjakkaveður (Mál og menning, 2019) e Slitförin (Partus, 2017), que ganhou o prêmio The Icelandic Booksellers Choice Award for Poetry em 2017 e a bolsa de criação literária do Centro de Fomento da Literatura Islandesa em 2017. Fríða faz parte do coletivo de poetas Svikaskáld (“As Poetas Impostoras”), grupo de seis poetas que publica um livro coletivo de poemas por ano. Conheci sua poesia através das traduções de Luciano Dutra, depois, quando mudei para a Islândia, estreitei laços com o grupo Svikaskáld, pois fiquei fascinada por sua ética e estética de trabalho com a poesia.                  

                                                                *

Tempo para jaqueta de couro

sexta-feira à noite

ouve-se o tintilar das fivelas das botas
quando andas feito Clint Eastwood
subindo a rua Tjarnagata a caminho da festa

“i have a very strict gun control policy:
if there’s a gun around, i want to be in control of it”


cabe tanta coisa
no movimento entre poder e impotência

gargalhadas
jogadas de cabelo

a luz de junho é uma criança espaçosa
que ocupa a cama inteira

tu te lembras de
não ser como ela

e ainda assim fazes arminha
com as mãos nos bolsos da jaqueta


Leðurjakkaveður
föstudagskvöld
það hringlar í stígvélasylgjunni
þegar þú gengur eins og Clint Eastwood
upp Tjarnargötuna á leiðinni í partí
„i have a very strict gun control policy:
if there’s a gun around, i want to be in control of it“
það rúmast ýmislegt
í hreyfingunni milli valds og valdaleysis
hávær hlátur
hársveifla
júníbirtan er plássfrekt barn
sem tekur allt rúmið
þú minnir þig á
að vera ekki eins og hún
í jakkavösunum
býrðu samt til byssur úr höndunum
 
[Leðurjakkaveður, Forlagið, 2019]




JÓNAS REYNIR GUNNARSSON (1987) estudou Escrita Criativa na Universidade da Islândia e escreveu dois romances, Millilending (Partus, 2017) e Krossfiskar (Partus, 2018), a peça de teatro premiada Við deyjum á Mars (2016) e os livros de poemas Leiðarvísir um þorp (Partus, 2017), Stór olíuskip (Partus, 2017) – pelo qual recebeu o Prêmio Tómas Guðmundsson em 2017 – e Þvottadagur (Páskaeyjan, 2019). Não conheço Jónas pessoalmente, mas me deparei com seu último livro de poemas em dezembro de 2019.
 

 
quando neva a cidade torna-se uma pintura
que descasca da tela

o espaço vazio se expande

a distância entre nossas casas desaparece no vazio branco

como a mente de uma velha que começa a esquecer

 
 
þegar snjóar verður borgin málverk
sem flagnar af striganum

auða rýmið stækkar

fjarlægðin á milli húsanna okkar er að hverfa í hvíta auðn

eins og hugur gamallar konu sem farin er að gleyma



[Þvottadagur, Páskaeyjan, 2019]




MELKORKA ÓLAFSDÓTTIR (1981) é poeta e flautista da Orquestra Sinfônica da Islândia. Seu nome vem da personagem das sagas, Melkorka, princesa irlandesa que foi trazida como escrava para a Islândia pelos colonizadores noruegueses. Seu livro solo de estréia é Hérna eru fjöllin bláu (“Aqui as montanhas são azuis”), publicado pelo coletivo Svikaskáld do qual ela faz parte juntamente com Friða Ísberg e Ragheiður Harpa Leifsdóttir, também traduzidas aqui. É difícil escolher um só poema seu para traduzir. Conheci sua poesia através da Harpa, que trouxe seu livro.
 

Onde se depõem os ovos

Aqui adentramos o domínio dos pássaros
que mal sabemos nomear
somos hóspedes
dizemos
e tiramos a casca dos ovos cozidos
sob o relógio constante

incompreensível que a andorinha do mar ártica voe até os confins da Terra
dizemos
nós que acabamos de comprar apartamentos
com um quarto a mais

 
Varpstöðvar

Hér stígum við inn í veldi fugla
sem við kunnum fáa að nefna
við erum gestir
segjum við
og plokkum skurnina af linsoðnum hænueggjum
undir staðfastri klukkunni

óskiljanlegt að krían fljúgi Jörðina á enda
segjum við
nýbúnar að kaupa íbúðir
með aukaherbergjum


[Nú sker ég netin mín, Svikaskáld, 2019]
 



RAGNHEIÐUR HARPA LEIFSDÓTTIR (1988) é formada em artes pela Universidade da Islândia. Escreveu e dirigiu diversas peças de teatro. É uma das integrantes do grupo Svikaskáld com as poetas Friða Ísberg e Melkorka Ólasfdóttir. Seu livro solo de estreia, Sítrónur og náttmyrkur (“Limões e escuridão noturna”) foi publicadoem  2019. Me chamou a atenção a capa do seu livro, uma baleia nadando no céu noturno. Poucos dias após esse encontro com o livro, recebemos, Luciano Dutra e eu, uma mensagem sua manifestando o desejo de nos enviar uma cópia para traduzir um poema para a página Um poema nórdico ao dia no Facebook. Nosso encontro foi uma tarde inesquecível de conversas, chá e risadas primeiro na minha casa e logo na casa de sua avó, minha vizinha.
 
Glaciar

Procuro a areia amarela
sob o manto de gelo da Groenlândia

para provar a mim mesma que
o paradoxo em mim
é verdade

há luz por trás das fendas
a encontro quando começo a escavar

 
Jökull

Ég leita að gulum sandi
undir Grænlandsjökli

til að sanna fyrir mér að
þverstæðan í sjálfri mér
sé sönn

það er ljós bakvið glufurnar
ég finn það þegar ég byrja að grafa

 
[Sítrónur og náttmyrkur, Svikaskáld, 2019]
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